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domingo, 9 de maio de 2021

Escrito por em 9.5.21 com 0 comentários

Colecovision

No já longínquo ano de 2015, eu fiz um post sobre um videogame chamado Intellivision, no qual expliquei que ele fazia parte do quarteto de consoles dos anos 1980 aqui no Brasil: Atari 2600, Odyssey, Intellivision e Colecovision. Quase todo mundo tinha o Atari, fabricado aqui pela Polyvox, que era o mais popular, mais barato e mais fácil de ser encontrado, além de contar com vários "clones", consoles fabricados por outras empresas, como CCE, Dynacom e Dismac, mas que rodavam os mesmos jogos. O Odyssey (que na verdade era o Odyssey 2), fabricado aqui pela Philips, também era relativamente fácil de ser encontrado nas lojas, e um amigo meu tinha um. Já o Intellivision, fabricado aqui pela Sharp, e o Colecovision, fabricado aqui pela Microdigital, eu nunca vi vendendo; um outro amigo meu teve um Colecovision, mas eu só o conheci quando os consoles "da vez" eram o Master System e o NES, e o Colecovision dele já nem estava funcionando, de forma que só serviu para eu finalmente ver um na minha frente.

Essa história eu contei com mais detalhes quando fiz o post sobre o Intellivision, e, na época, planejava fazer também, algumas semanas depois, um sobre o Colecovision. Esse planejamento esbarrou no obstáculo de sempre: a falta de informações sobre o assunto - até mesmo a página da Wikipédia sobre o Colecovision na época tinha tipo três parágrafos, e não dizia nada que presta. Desanimado, acabei desistindo, mas, recentemente, o post do Intellivision apareceu aqui na barra dos posts aleatórios, decidi relê-lo, e isso me animou a, mais uma vez, buscar informações sobre o Colecovision - dessa vez achando o suficiente para escrever um post decente. Assim, hoje é dia de Colecovision no átomo!

O nome Colecovision é a junção das palavras Coleco e television, que, como parece ser, é "televisão" em inglês. O que realmente não parece ser é que Coleco, o nome da fabricante do Colecovision, é um acrônimo para Connecticut Leather Company, a "companhia de couro do Connecticut". Curiosamente fundada no dia 29 de fevereiro de 1932, na cidade de West Hartford, no estado do Connecticut, Estados Unidos, a Connecticut Leather Company fabricava suprimentos de couro para sapateiros - não para fabricantes de sapatos, e sim para os profissionais que consertavam sapatos: tudo o que fosse de couro e fosse preciso para consertar um sapato estava no catálogo da Connecticut Leather Company. Por que essa gente resolveu fabricar um videogame, veremos em breve.

A Connecticut Leather Company foi fundada por Maurice Greenberg, ele mesmo um sapateiro, mas que conseguiu investir seu dinheiro e fazer fortuna na indústria do couro, decidindo passar de trabalhador a fornecedor. Além de tudo um visionário, no final da década de 1930 Greenberg percebeu que os calçados de borracha estavam gradualmente substituindo os de couro na preferência da população, e adaptou suas fábricas para fornecer, também, suprimentos para a confecção de calçados de borracha - aí sim fornecendo para os fabricantes, e não para os sapateiros. Durante a Segunda Guerra Mundial, duas coisas aparentemente antagônicas aconteceriam: primeiro, a demanda por calçados, para calçar todas as tropas do exército, era maior que nunca, o que fez com que as fábricas de Greenberg tivessem de trabalhar a todo vapor; segundo, empobrecida, a população não conseguia comprar ou consertar sapatos, o que levou a uma queda acentuada nas vendas para civis, que eram a maior parte do faturamento da Connecticut Leather Company - já que os militares faziam um contrato gigantesco e pagavam mais barato. Greenberg resolveria esse problema mais uma vez diversificando, passando a fabricar também máquinas usadas para fabricação e reparo de calçados, graxa para o polimento de sapatos, e até mesmo equipamentos para limpeza de chapéus.

No início da década de 1950, Greenberg decidiria se aposentar, e passaria o comando para seu filho, Leonard Greenberg, que decidiria simultaneamente voltar às origens e diversificar ainda mais, passando a fabricar e comercializar suprimentos para artesanato em couro. Um dos produtos mais populares da empresa era um tipo de kit "monte seu próprio mocassim", que, surpreendentemente, fazia muito sucesso dentre as crianças das famílias mais abastadas, que os usavam para criar seus próprios sapatos personalizados. Ao saber disso, Leonard inscreveria o produto na Feira de Brinquedos de Nova Iorque em 1954, onde ele seria um gigantesco sucesso, com todas as unidades levadas se esgotando em um único dia.

Esse sucesso fez com que Leonard decidisse entrar também para o ramo de brinquedos; inicialmente, seriam brinquedos de couro, mas, em 1956, ele leria, em uma revista dedicada ao mundo empresarial, sobre uma tecnologia nova envolvendo plástico, e, provando que herdou o visionarismo do pai, decidiu adaptar todas as suas fábricas para poder utilizá-la, o que fez com que a Connecticut Leather Company se tornasse a principal fabricante de brinquedos de plástico dos Estados Unidos na segunda metade da década de 1950. O passo final viria em 1961, quando Leonard decidiria desmembrar e vender tudo da empresa que tivesse a ver com couro e sapatos, e focar exclusivamente na criação e fabricação de brinquedos de plástico. Como o nome Connecticut Leather Company não faria sentido a partir de então, ele o mudaria para Coleco.

Na década de 1960, a Coleco se tornaria uma gigante do ramo de brinquedos: em 1963, ela compraria a Kestral, maior fabricante de piscinas plásticas (daquelas que são montadas e desmontadas no quintal, sem precisar cavar um buraco no chão) dos Estados Unidos, e, nos anos seguintes, se tornaria a maior fabricante de piscinas plásticas do mundo. Em 1966, ela compraria a Playtime Products, maior fabricante de brinquedos infláveis do país, e, em 1968, compraria a Eagle Toys do Canadá. Leonard, então, convenceria seu irmão Arnold, um advogado, a assumir como presidente da empresa, enquanto ele ficaria apenas supervisionando as dez fábricas que a Coleco já tinha nos Estados Unidos e Canadá.

Seria de Arnold a decisão de entrar no mundo dos videogames: em 1972, seria lançado, nos Estados Unidos, pela empresa Magnavox, o videogame Odyssey, que era em preto e branco, não tinha som, e vinha com 12 jogos, com o jogador trocando uma placa de circuito impresso em uma abertura especial do console para trocar o jogo - sendo que todos os jogos eram extremamente parecidos, e todos no estilo de Pong. Naquele mesmo ano, a Atari lançaria sua própria versão de Pong para arcades, colorida, com som, e muito melhor que a do Magnavox Odyssey - com a desvantagem de que era uma máquina enorme de arcade, enquanto o Magnavox Odyssey era um console que as pessoas podiam comprar e usar para jogar na TV em suas casas. Arnold achou que a Coleco também poderia entrar na brincadeira, e não poupou despesas para criar um equivalente do Magnavox Odyssey, que acabaria sendo lançado em 1976 com o nome de Coleco Telstar.

Assim como o Magnavox Odyssey, o Coleco Telstar podia ser ligado na televisão e vinha com dois controles; era em preto e branco, mas tinha som e gráficos de última geração. O Telstar vinha com três jogos, hóquei no gelo, handebol americano e tênis, mas todos eram similares ao Pong, apenas com variações nas regras. Ainda em 1976, ele ganharia uma versão chamada Coleco Telstar Classic, com detalhes em madeira (o original era todo de plástico), e, em 1977, seria lançado o Coleco Telstar Deluxe, também com detalhes em madeira, mas mais bonito e estiloso, parecido com um aparelho de som dos anos 1970, e vendido nos Estados Unidos e Canadá (o que fez com que o texto dos jogos na tela fosse em inglês e francês).

Ao todo, contando com essas três, o Coleco Telstar ganharia 14 versões (um dos motivos sendo que, sendo impossível trocar o jogo, para lançar um novo jogo era necessário lançar um novo console), 8 delas lançadas em 1977 (9 contando com o Deluxe): o Coleco Telstar Alpha trazia um quarto jogo (mais uma versão de Pong, jai alai), um interruptor que permitia escolher três níveis de dificuldade para os jogos, chamados iniciante, intermediário e profissional, e podia ser usado "sem fio", com pilhas; o Coleco Telstar Ranger era uma versão do Alpha que incluía uma "pistola laser" com a qual o jogador podia "atirar na tela", e dois novos jogos que faziam uso dela, tiro ao alvo e tiro ao pombo; o Coleco Telstar Regent era uma versão do Alpha com controles ligados ao console por fios (nas cinco versões anteriores, os controles, exceto a pistola, ficavam no próprio console); o Coleco Telstar Colormatic era uma versão do Regent com gráficos coloridos; o Coleco Telstar Combat tinha um controle especial e, a invés dos quatro jogos de sempre, trazia quatro jogos diferentes, todos versões do jogo de arcade Tank; o Coleco Telstar Gemini também tinha controles diferentes e quatro versões do jogo de pinball; o Coleco Telstar Galaxy era uma versão do Colormatic com 48 jogos (todos eles muito parecidos com Pong); e o Coleco Telstar Arcade vinha com a pistola e um volante, contando com 58 jogos entre clones de Pong, jogos de tiro e jogos de corrida. As outras três versões seriam lançadas em 1978: o Coleco Telstar Sportsman era uma versão do Regent com a pistola e os dois jogos extras do Ranger; o Coleco Telstar Colortron era uma versão do Alpha com gráficos coloridos; e o Coleco Telstar Marksman era uma versão do Ranger com gráficos coloridos.

O Coleco Telstar foi um gigantesco sucesso de vendas - somente o original vendeu mais de um milhão de unidades - mas o grande número de versões fabricadas quase levaria a Coleco à falência, com o número de unidades vendidas sendo pouco mais que o suficiente para cobrir os custos de fabricação. Para recuperar o dinheiro investido, a partir de 1978 a Coleco decidiria investir em jogos eletrônicos portáteis dedicados (conhecidos aqui no Brasil como "minigames"), aparelhos inventados pela Mattel que contavam com uma pequena tela de cristal líquido, alguns botões e apenas um jogo cada, funcionando a pilha e sem a necessidade de ligar à TV. De produção muito mais barata - e com preço final ao consumidor muito mais baixo - os minigames da Coleco foram outro gigantesco sucesso, principalmente graças a um trunfo: assim como a Mattel, ela começaria com jogos criados por ela mesma, com a diferença de que todos os jogos da Coleco eram de esportes, mas, em 1982, a Coleco conseguiria uma licença para lançar grandes clássicos dos arcades, como Donkey Kong, Pac Man e Frogger, como minigames. Muito mais baratos que comprar um videogame e um cartucho, esses minigames venderiam como água, com somente o de Pac Man vendendo mais de 1,5 milhão de unidades. A Coleco ainda lançaria uma terceira série de minigames, somente de jogos educativos, em 1983, mas, por diversas razões, dentre elas o crash do mercado de videogames ocorrido naquele mesmo ano, eles não venderiam bem.

E agora finalmente chegamos à parte que interessa: em 1982, quando os minigames de arcade da Coleco foram lançados, o mercado já não era dominado por consoles como o Magnavox Odyssey e o Coleco Telstar, e sim pelo Atari 2600, lançado em 1977, e pelo Intellivision, lançado em 1980. Em comum, ambos tinham uma vasta quantidade de jogos à disposição, vendidos separadamente em cartuchos. Arnold quis aproveitar que se livrou da falência para abiscoitar uma parcela desse mercado e, em agosto de 1982, lançou o Colecovision - cujo projeto começou ainda em 1980, mas somente com o dinheiro da venda dos minigames pôde ser fabricado em larga escala.

Sendo mais recente que seus concorrentes, o Colecovision era também mais avançado. Seu processador principal era o Zilog Z80 de 2,5 MHz, mesmo que seria utilizado posteriormente pelo Master System. Para os gráficos, ele usaria o TMS9928A da Texas Instruments, mesmo dos computadores MSX. O som também ficaria a cargo de um processador da Texas Instruments, o SN76489, de última geração na época. O Colecovision também contava com 16 kB de RAM (contra 1.456 bytes do Intellivision e 128 bytes do Atari), o que permitia que seu processamento gráfico fosse muito mais veloz que o dos demais consoles da mesma geração. A capacidade dos cartuchos também era maior, podendo chegar a 32 kB.

Mas o principal atrativo do Colecovision era seus jogos. Graças a um contrato de exclusividade com a Nintendo, ele seria, durante algum tempo, o único console caseiro a contar com jogos como Donkey Kong e Mario Bros.; além disso, graças a seu maior poder de processamento, os jogos do Colecovision eram muito mais fiéis aos originais dos arcades que as versões lançadas para o Intellivision ou o Atari 2600 - a versão de Pac Man para o Atari 2600, por exemplo, foi considerada tão frustrante por suas diferenças em relação ao original dos arcades que foi um fracasso de vendas. Pelo menos três jogos ganharam mais popularidade nos arcades após serem lançados para o Colecovision, Cosmic Avenger, Venture e Lady Bug, esse último um dos mais populares do console. Outro jogo marcante foi Zaxxon, da Sega, cuja versão do Colecovision foi considerada mais fiel à dos arcades até mesmo que a versão que a Sega fez para um console dela mesma, o SG-1000.

Os controles do Colecovision eram praticamente idênticos aos do Intellivision, contando com uma alavanca grande (o "círculo direcional"), dois botões de ação e um teclado numérico sobre o qual podia ser inserido um overlay, um cartão de papelão fino que acompanhava os cartuchos e contava com indicadores de quais botões do teclado numérico eram usados para aquele jogo e com quais funções, com o jogador podendo pressionar o overlay para pressionar o botão. Duas diferenças importantes entre os controles do Colecovision e do Intellivision eram que, nos do Colecovision, o direcional era em cima e o teclado numérico embaixo, enquanto no Intellivision o teclado numérico era em cima e o direcional embaixo, e, no Colecovision, ao contrário do Intellivision, os controles eram "destacáveis", contando com conectores e podendo ser separados facilmente do videogame. Assim como os do Intellivision, os controles do Colecovision tinham fios compridíssimos em espiral, e um espaço próprio no console onde podiam ser encaixados quando não estavam em uso.

Ao todo o Colecovision venderia mais de 2 milhões de unidades apenas nos Estados Unidos, grande parte delas devido a uma grande sacada da Coleco, que colocou Donkey Kong, um dos jogos mais populares dos arcades da época, como o pack in, o cartucho que vinha "de brinde" com o console. No Natal de 1982, o Colecovision já tinha vendido 500 mil unidades, e, no primeiro semestre de 1983, ultrapassaria um milhão. Infelizmente para a Coleco, porém, em 1983 ocorreria o crash do mercado de videogames, uma retração que faria com que as vendas de todos os consoles despencassem. Por causa disso, ela não conseguiria lançar o Colecovision fora dos Estados Unidos, precisando licenciá-lo para parceiros; curiosamente, na Europa, ele seria lançado, em julho de 1983, pela CBS Electronics, uma empresa criada especificamente para isso pela rede de televisão norte-americana CBS - e, por isso, lá ele seria lançado com o nome de CBS ColecoVision.

Uma das principais características do Colecovision eram os chamados módulos de expansão, lançados e vendidos separadamente pela Coleco ao longo de 1982 e 1983. Basicamente, um módulo de expansão era um aparelho eletrônico que podia ser conectado à entrada de cartuchos do console, aumentando sua capacidade ou conferindo-lhe novas funções; a ideia original de produzir módulos de expansão para videogames partiria da Mattel com seu Intellivision, mas a Coleco foi mais esperta, equipando o Colecovision com uma entrada específica para eles, na frente do console e identificada como tal, o que tornava seu uso mais prático e intuitivo para o dono do console.

Curiosamente, o primeiro módulo de expansão, lançado no Natal de 1982 e chamado simplesmente de Expansion Module #1, tornava o Colecovision compatível com o Atari 2600, contando com uma entrada própria para cartuchos e duas para os controles - em outras palavras, com o Expansion Module #1, era possível jogar todos os jogos do Colecovision e todos os jogos do Atari. A Coleco conseguiu fazer isso porque todos os componentes do Atari (assim como todos os componentes do Colecovision) podiam ser comprados facilmente em qualquer loja de eletrônicos - o que deu origem aos já famosos "clones", videogames que não eram fabricados pela Atari mas rodavam todos os seus jogos. De certa forma, aliás, o Expansion Module #1 foi o primeiro clone do Atari 2600, já que ele não era simplesmente um módulo de expansão, e sim um videogame completo, contando com o Colecovision apenas para alimentação e conexão com a TV - em outras palavras, o Colecovision não rodava os jogos, simplesmente permitia que o Expansion Module #1, que os rodava, fosse ligado na tomada e à televisão. Isso fez com que a Atari decidisse processar a Coleco, alegando quebra de patente; as duas chegariam a um acordo fora dos tribunais, que daria origem a um modelo de licenças através do qual "clones legalizados" do Atari passariam a ser produzidos, desde que suas fabricantes passassem parte do lucro com a venda desses consoles para a Atari - a própria Coleco seria a primeira a fazer uso dessa licença, lançando no mercado o Coleco Gemini, primeiro clone legalizado do Atari. Também graças a esse acordo, a Coleco abriria mão de sua exclusividade com a Nintendo, o que permitiria que finalmente versões de jogos como Donkey Kong e Mario Bros. fossem lançados para o Atari 2600, e, em troca, a Atari faria versões de alguns jogos dela, como Centipede e Jungle Hunt, para o Colecovision.

No início de 1983, seria lançado o Expansion Module #2, que consistia de um controle especial, com um volante e um pedal. O pedal era exatamente ao lado do volante e era bastante difícil pressioná-lo com o pé ao mesmo tempo em que as duas mãos estavam no volante - a menos que a pessoa fosse um contorcionista - o que fazia com que ele não fosse tão realístico quanto o esperado, já que o jogador tinha que segurar o volante com uma das mãos e pressionar o pedal com a outra. Apesar de ser vendido como (e chamado de) um módulo de expansão, o Expansion Module #2 era ligado na entrada do controle número 1, substituindo-o. De brinde com ele vinha o jogo Turbo, mas ele funcionava com qualquer jogo, com a diferença de que não tinha o teclado numérico e tinha apenas um botão de ação (o pedal); os mais adequados para seu uso eram Destructor, Bump 'n' Jump, Pitstop e The Dukes of Hazzard - não por acaso, todos de corrida.

Ao longo de 1983, a Coleco lançaria dois outros controles especiais, sem usar o nome Expansion Module. O primeiro se chamaria Roller Controller, e era um trackball, aquele "mouse ao contrário", com a bolinha na parte de cima para ser rodada pela mão do jogador e dois botões. O Roller Controller vinha com um jogo de brinde, Slither, e apenas um outro, Victory, foi criado exclusivamente para seu uso; assim como o Expansion Module #2, porém, o Roller Controller podia ser usado com qualquer jogo, embora jogar a maioria deles com um trackball fosse extremamente difícil - dentre os que se beneficiavam de seu uso estavam War Games, Omega Race e Centipede. O Roller Controller também não tinha o teclado numérico, o que diminuía sua funcionalidade.

O segundo controle especial se chamava Super Action Controller Set, e tinha um direcional de alavanca com esfera no topo (parecido com um direcional de arcade), quatro botões de ação ao invés de dois, um teclado numérico e um "speed roller", uma rodinha parecida com a do mouse de hoje em dia. Pensado para uso com jogos de esportes, trazia como brinde Super Action Baseball, e teve lançados para ele Super Action Football (de futebol americano), Rocky Super Action Boxing e Front Line; como de costume, qualquer jogo podia ser jogado com ele, com nesse caso os dois botões de ação do mesmo lado atuando como espelho um do outro (ou seja, assumindo a mesma função). Dos três controles especiais, foi o mais útil, e fez sucesso com os jogadores que não gostavam do círculo direcional.

Em 1983, após o crash dos videogames, a maior parte dos executivos da indústria imaginou que eles seriam substituídos pelos computadores domésticos; Bob Greenberg, filho de Leonard, era um programador na Microsoft na época, e decidiu largar esse emprego e ir para a Coleco ajudar Arnold no lançamento da empresa para entrar nesse mercado, o Coleco Adam. O Adam seria pela primeira vez anunciado na feira Consumer Electronics Show de junho de 1983, com lançamento previsto para agosto daquele ano e previsão de vendas de 500 mil unidades. A imprensa se animou e fez uma grande cobertura do lançamento, o que levou as principais concorrentes da Coleco nesse ramo, Atari e Commodore, a também anunciarem novos computadores para o Natal de 1983. Nos seis meses entre o anúncio e o lançamento, a Coleco faria uma agressiva campanha de marketing, que contava, inclusive, com comerciais para a TV, algo considerado arriscado para computadores domésticos.

Como costumava acontecer, lamentavelmente, a Coleco não conseguiu cumprir o prometido. Criar um computador doméstico na década de 1980 era tarefa complicada e cara, e o preço inicialmente anunciado para o Adam não cobria nem o necessário para fabricar sua impressora - que, então, era a parte mais barata. O Adam não foi lançado em agosto, sendo adiado para 1º de setembro, quando também ainda não estava pronto. A Coleco então prometeu que iria entregar as 500 mil unidades previstas às lojas "até o Natal", mas, no final de outubro, o Adam ainda não estava pronto. Em novembro, as lojas que haviam encomendado o computador para o Natal começaram a desistir de seus pedidos, e as que haviam feito pré-venda começaram a devolver o dinheiro dos consumidores. O interesse do público continuava alto, porém, e a Coleco considerou questão de honra lançar o Adam antes do Natal, conseguindo aprontar e vender 95 mil unidades durante o mês de dezembro - a maioria delas, porém, era defeituosa e não funcionava conforme o esperado. A Coleco oficialmente declararia que somente 10% das unidades vendidas apresentavam defeitos, mas algumas lojas diriam terem recebido de volta todos os que venderam.

O Adam seria lançado em duas versões, uma delas como um computador completo, a outra como o Expansion Module #3, que precisava ser conectado ao Colecovision para funcionar. O Expansion Module #3 consistia do teclado, drive de fita cassete, uma expansão para 64 kB de RAM e a impressora, fazendo uso do processador e dos controladores de gráficos e som do Colecovision; o "computador completo" contava com 80 kB de RAM e com um processador Zilog Z80A de 3,58 MHz, mais moderno e veloz que o do Colecovision, mas o restante era igual. Curiosamente, o Adam tinha jogos exclusivos, lançados apenas em fitas cassete e que necessitavam da RAM expandida para funcionar; tanto a versão completa quanto o Expansion Module #3 traziam como brinde Buck Rogers: Planet of Zoom, versão de um popular jogo dos arcades criado pela Sega. É importante dizer que, assim como a maioria dos computadores de sua época, mesmo na versão completa o Adam não tinha monitor, devendo ser ligado à televisão. No início de 1984, o Adam ganharia seu primeiro e único periférico, um drive de disquetes de 5 1/4 - que era compatível apenas com a versão computador, não tendo como ser conectado ao Expansion Module #3.

No primeiro trimestre de 1984, a Coleco já havia perdido tanto dinheiro com a queda nas vendas do Colecovision e o desastre do lançamento do Adam que decidiu abandonar a produção de todos os módulos de expansão que ainda não haviam sido lançados; em janeiro de 1985, ela descontinuou o Adam, prometendo ainda dar suporte técnico até o final do ano. Em outubro, porém, a Coleco decidiria não somente suspender a produção e encerrar o suporte ao Colecovision como também se retirar totalmente do mercado de videogames, sem jamais voltar a produzir outro console. Ao todo, o Colecovision ficaria no mercado por menos de 40 meses.

Após o fim do Colecovision, a Coleco entraria em uma espiral descendente. Seu principal produto na época eram os Cabbage Patch Kids (conhecidos aqui no Brasil como Repolhinhos), bonecos de pano com cabeças de plástico lançados em 1983, e que seriam um grande sucesso de vendas na primeira metade dos anos 1980. Querendo entrar no mercado de jogos de tabuleiro, em 1986 ela compraria a Selchow and Righter, fabricante do Scrabble e do Trivial Pursuit; justamente naquele ano, porém, as vendas de jogos de tabuleiro despencaram, deixando a Coleco com milhares de unidades estocadas que não conseguia passar para as lojas. Para tentar recuperar o dinheiro, a Coleco faria um arriscado contrato com a NBC para lançar um boneco do Alf, o ETeimoso, que contava com um gravador nas costas e "contava histórias" a partir de uma fita cassete; caro demais, ele não venderia o esperado, e prejudicaria ainda mais as finanças da empresa. O golpe de misericórdia viria em 1988, quando as vendas dos Repolhinhos também despencariam; desesperada e precisando de dinheiro, ela venderia a licença de fabricação dos bonecos para a Hasbro, mas de nada adiantou: no final de 1988 a Coleco entraria em processo de falência, fechando definitivamente suas portas em julho de 1989.

Enquanto estava em processo de falência, a Coleco venderia suas fábricas e seus ativos para diversas empresas diferentes, com a canadense SLM Action Sports sendo a maior compradora, ficando com toda a linha de piscinas e de acessórios para neve, e todas as licenças de brinquedos, incluindo os jogos de tabuleiro, sendo adquiridas pela Hasbro. O nome Coleco e o catálogo de jogos do Colecovision, porém, ficariam anos "sem dono"; somente em 2005 a River West Brands, empresa de Chicago especialista em revitalizar marcas antigas, compraria a marca Coleco, que venderia em 2014 para a Coleco Holdings, que hoje tenta entrar no mercado de videogames, mas ainda não teve sucesso - sua mais recente tentativa foi em 2016, quando tentou um financiamento coletivo para produzir o Retro VGS, console que rodaria jogos de vários sistemas diferentes de 8 e 16 bits, mas que sequer passou da fase de protótipo.

Já o catálogo de jogos seria adquirido em 2014 pela AtGames, que lançaria um console chamado ColecoVision Flashback; com capacidade de ser conectado a TVs modernas, o ColecoVision Flashback já vem com 60 jogos na memória, mas não conta com cartuchos nem módulos de expansão (não tem nem entrada para eles). Uma das principais críticas ao sistema é que, por determinação da Nintendo, nenhum dos jogos dela pôde ser incluído no ColecoVision Flashback - incluindo o maior sucesso do console, Donkey Kong. E, como ele não tem entrada para cartuchos, mesmo quem tem um dos cartuchos antigos não tem como jogá-los.
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segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Escrito por em 10.10.16 com 1 comentário

Turbografx-16

Frequentemente, quando falo aqui sobre algum game, acabo citando um videogame chamado Turbografx-16 - ou o nome pelo qual ele foi lançado no Japão, o PC Engine. Eu confesso que jamais vi um Turbografx-16 pessoalmente na minha vida, já que nunca conheci alguém que tivesse um, nem alguma locadora que tivesse seus jogos para alugar; ainda assim, o conheço já há muito tempo, pois as revistas sobre videogames que foram lançadas no Brasil junto com o NES e o Master System, e que eu colecionava, de vez em quando faziam matérias também sobre seus jogos. Esses dois fatos possivelmente antagônicos fizeram com que, na minha mente, o Turbografx-16 sempre tivesse um status curioso, de uma coisa que eu sempre tive muita vontade de conhecer, mas que achava que jamais teria oportunidade. De fato, quando os emuladores estavam em sua era de ouro, pude jogar muitos games de Turbografx-16, mas a sensação de encaixar um jogo no console e pegar o controle com a mão eu acredito que jamais terei.

Enfim, essa semana, não me perguntem por que, eu me lembrei de tudo isso, e achei que seria legal fazer um post sobre o Turbografx-16 aqui no átomo - até porque posts sobre consoles, apesar de não serem uma novidade, são bastante raros por aqui. Desta forma, hoje é dia de Turbografx-16 no átomo!

Ah, sim: genericamente, vou me referir ao videogame como Turbografx-16. Toda vez que eu falar PC Engine, entenda-se que estou falando especificamente do modelo japonês, mas, quando eu falar Turbografx-16, posso estar me referindo a qualquer um dos dois, ficando por conta do contexto se eu estiver me referindo especificamente ao norte-americano.

O Turbografx-16 foi lançado no Japão em outubro de 1987, com o nome de PC Engine, conforme já citado, e foi o fruto de uma parceria entre a Hudson, softhouse responsável pela criação de games como Bomberman e Adventure Island, e a NEC, empresa de eletroeletrônicos que não é muito conhecida no Brasil, mas no Japão fabrica computadores e celulares, além de ser parceira do governo como fornecedora de tecnologia para as forças armadas, de atuar como parceira de TI e soluções de rede para grandes empresas, e de fabricar componentes como supercondutores. O alcance da NEC no Japão é tão grande que seu slogan parece coisa de filme cyberpunk: "orquestrando um mundo mais brilhante".

O PC Engine nasceria não por iniciativa da NEC, e sim por raiva da Hudson, que, além de produzir jogos, queria fabricar componentes para o NES, principalmente processadores gráficos. Segundo a Hudson, o processamento gráfico do NES era deficiente, mas isso poderia ser facilmente corrigido se adicionando um co-processador gráfico no próprio cartucho, o que permitiria jogos não somente com gráficos melhores, mas também mais velozes, já que, ficando o processamento gráfico a cargo do cartucho, o videogame poderia se dedicar a outras funções. Na avaliação da Nintendo, entretanto, a adição de um co-processador gráfico a cada cartucho, além de desperdício, representaria aumento de custos para os jogos, motivos pelos quais a proposta da Hudson seria recusada. Enraivecida, a Hudson procuraria a NEC, que já estava mesmo querendo entrar no mercado de videogames, e a ofereceria seu projeto.

O "16" do nome Turbografx-16, como vocês devem estar imaginando, vinha do fato de que o videogame se anunciava como um sistema de 16 bits, ou seja, mais poderoso que o NES e o Master System, seus rivais da época, que tinham apenas 8 bits. Na verdade, porém, o processador principal do Turbografx-16, o Hudson Soft HuC6280, era um processador de 8 bits, uma versão melhorada do WDC 65C02, fabricado pela Western Design, que, por sua vez, era baseado no MOS 6502 criado pela Seiko Epson. Para que ninguém diga que a NEC e a Hudson eram mentirosas, entretanto, o processador gráfico do Turbografx-16, o Hudson Soft HuC6270, criado pela Hudson e uma versão melhorada do que ela planejava vender para a Nintendo, realmente era um processador de 16 bits, e o mais poderoso da época, capaz de produzir 512 cores, sendo 482 na tela simultaneamente, em uma resolução de 512 x 224 pontos - embora a maioria dos games usasse 256 x 240, a mesma resolução do NES, que só era capaz de produzir 48 cores, sendo 25 simultâneas.

O PC Engine foi lançado para competir não com outros videogames de 16 bits, que ainda nem existiam, mas com o Famicom, a versão japonesa do NES, que dominava o mercado no final dos anos 1980 - segundo estimativas, nada menos que 90% dos proprietários de videogames no Japão tinha um Famicom. Nesse sentido, ele não foi bem sucedido, já que nem arranhou as vendas do rival, mas, de certa forma, a NEC atirou no que viu e acertou o que não viu: um ano depois do lançamento do PC Engine, a Sega lançaria, no Japão, o Mega Drive, seu primeiro videogame de 16 bits. Como o Super Famicom, o videogame japonês de 16 bits da Nintendo, só seria lançado no final de 1990, dois anos após o Mega Drive e três depois do PC Engine, e o Mega Drive não seria exatamente um sucesso de vendas no Japão, o videogame da NEC dominaria o mercado dos 16 bits daquele país, sendo o mais vendido dos três até o fim de 1991.

Uma das características mais curiosas do Turbografx-16 era que ele não usava cartuchos, e sim cartões de memória, chamados HuCards no Japão (sendo o "Hu" de Hudson, que também os inventou) e Turbochips nos Estados Unidos (em uma referência ao nome do videogame). Um HuCard era do mesmo tamanho de um cartão de crédito, e apenas um pouquinho mais grosso; apesar disso, tinha mais memória disponível que um cartucho de videogame da época, que ocupava muito mais espaço (principalmente os gigantescos cartuchos norte-americanos do NES). Para criá-los, a Hudson não usaria mágica, mas ciência: dentro de cada cartucho há uma placa de circuito impresso com vários componentes, sendo o principal deles a EEPROM, o "chip" no qual está gravado o jogo. A placa de circuito impresso não é necessariamente do mesmo tamanho da capa plástica do cartucho, que serve não somente para protegê-la, mas também para ajudá-la a dispersar calor, já que a EEPROM esquenta bastante durante o uso. A EEPROM não troca calor com a capa, já que não encosta nela, e sim com o ar presente no "espaço vazio" dentro dela - há uma lenda, inclusive, de que os cartuchos do NES precisavam ser daquele tamanho porque ficavam encaixados em um compartimento interno do videogame, fazendo com que a EEPROM esquentasse mais ainda e precisasse dissipar mais calor que as do Famicom, cujos cartuchos ficavam expostos e, portanto, podiam ser de tamanho menor.

Pois bem, os HuCards eram a evolução de outra tecnologia criada pela Hudson, chamada Bee Card (bee de abelha, o mascote da Hudson), que ela desenvolveu no início dos anos 1980 para uso com os computadores MSX, mas que acabou não pegando. Em sua essência, um Bee Card é uma EEPROM mais fina que o habitual, mas ainda conservando a mesma capacidade de memória. Para ajudar na dissipação de calor, a Hudson faria a capa dos HuCards não de plástico, mas de um polímero condutor de calor fabricado pela NEC. Diferentemente do que ocorria em um cartucho, a Bee Card encostava nesse polímero, o que possibilitava que o HuCard fosse da mesma espessura que a Bee Card sobre a placa de circuito impresso, e que o calor fosse dissipado diretamente para o ambiente - já que o HuCard ficava exposto ao ar quando usado, e não dentro de um compartimento - o que fazia com que o HuCard não precisasse de espaço ocioso para trocar calor com o ar.

Assim como ocorria com os cartuchos de NES e Famicom, os HuCards e Turbochips tinham encaixes diferentes, para que um PC Engine não rodasse jogos norte-americanos e um Turbografx-16 não rodasse jogos japoneses. Ao contrário do que ocorria com os videogames da Nintendo, nos quais os cartuchos do Famicom tinham 60 pinos no encaixe enquanto os do NES tinham 72, o "controle" nos da NEC era feito por um "pino falso", que encaixava em posições diferentes no encaixe do PC Engine e do Turbografx-16 - com tanto HuCards quanto Turbochips tendo 39 pinos, dos quais 38 eram usados. Se alguém aí pensou "mas é só usar um adaptador", a NEC também, e incluiu um segundo nível de controle, com o qual o próprio PC Engine checava se era um HuCard que estava encaixado nele diretamente ou um Turbochip usando um adaptador; curiosamente, esse controle não era feito pelo Turbografx-16, que aceitava HuCards normalmente, desde que fossem usados adaptadores (chamados "conversores") fabricados por terceiros. A justificativa da NEC era de que os jogos frequentemente eram modificados para serem lançados nos Estados Unidos, normalmente tendo elementos censurados ou sua dificuldade diminuída, o que poderia se traduzir em avaliações negativas injustas do jogo por parte de jogadores japoneses que só tivessem contato com as versões norte-americanas, mas não havia problema se os jogadores norte-americanos quisessem conhecer os jogos originais japoneses - embora ela mesma jamais tenha fabricado um conversor oficial.

Outra característica curiosa do Turbografx-16 era que, diferentemente de todos os outros videogames que existem, ele só tinha uma entrada para controles. Isso mesmo, a princípio somente um único jogador podia jogar cada jogo, o que inviabilizava a criação e conversão de muitos tipos de jogos, como, por exemplo, os de luta. Para tentar remediar essa situação, a NEC colocaria no mercado, pouco depois do lançamento do PC Engine, um acessório chamado MultiTap (TurboTap nos EUA), que, ligado à entrada do controle, permitia o encaixe de até cinco, ou seja, com ele, até cinco jogadores podiam jogar ao mesmo tempo - embora, evidentemente, não eram todos os jogos que aceitavam essa função, com a maioria deles aceitando apenas dois jogadores. Vale citar também que, mesmo sem o MultiTap, alguns jogos permitiam dois jogadores alternados, com ambos usando o mesmo controle; caso o MultiTap estivesse em uso, esses jogos reconheciam o acessório, e permitiam que cada um usasse seu próprio controle.

Os controles do Turbografx-16 eram bastante parecidos com os do NES, com um direcional digital, um botão Select, um Start (chamado Run ou Play) e dois botões de jogo (chamados I e II, e não A e B), sendo que cada um desses botões também tinha uma função turbo em separado com até três velocidades, controladas por um seletor - colocar o seletor na posição 2 e apertar o botão uma vez equivalia a apertá-lo duas vezes seguidas na posição 1, por exemplo. Em 1988, a NEC lançaria um controle alternativo, chamado Turbo Stick (também no Japão), que se parecia com um controle de Neo Geo, com o direcional em formato de alavanca e dois botões enormes, para simular que o jogador estava em um arcade; a característica mais curiosa do Turbo Stick era que as funções turbo dos botões I e II não era ativadas por seletores, e sim por controles deslizantes, o que significava que havia vários "níveis intermediários" de turbo - embora o máximo ainda fosse 3. Em 1993, para aproveitar a onda dos jogos de luta, a NEC também lançaria, exclusivamente no Japão, um novo modelo de controle chamado Arcade Pad, que tinha seis botões ao invés de dois, cada um com seu próprio turbo, e um seletor para que pudesse ser usado como um controle comum - pois os jogos antigos não funcionavam direito caso o modo de 6 botões estivesse selecionado.

O Turbografx-16 também seria o primeiro videogame a contar com um acessório para rodar jogos em CD-ROM. Lançado no Japão em dezembro de 1988 com o nome de CD-ROM² System (pronunciado "CD-ROM-ROM System") e mais tarde nos EUA como Turbografx-CD, ele se conectava ao console através de uma abertura na parte de trás do mesmo; no Japão seria lançada uma docking station chamada Interface Unit, uma base que permitia que console e acessório se conectassem de forma a ficar um ao lado do outro, mas nos EUA a única opção era conectar o acessório diretamente, aumentando a profundidade que o videogame ocupava na estante e dificultando a troca dos CDs caso ele estivesse em uma prateleira baixa ou algo do tipo. Além de conectar o acessório, antes de rodar os jogos era necessário encaixar um HuCard/Turbochip especial, que aumentava a memória RAM do console, possibilitando-o armazenar as informações do CD. A qualidade dos jogos em CD do Turbografx-16 era amplamente superior à daqueles de seu concorrente direto, o Sega-CD (Mega-CD no Japão), e sua trilha sonora tocava diretamente do CD, com qualidade de áudio digital. Vale citar também que o Turbografx-CD também servia para ouvir CDs de música, e, para que o jogador não fosse obrigado a ouvir seus CDs com o som da TV, a NEC lançaria um acessório chamado AV Booster (TurboBooster nos EUA), que permitia conectar o Turbografx-16 a um aparelho de som, e que podia ser usado mesmo sem o Turbografx-CD, o que dava um efeito curioso ao som dos jogos.

A NEC chegaria a lançar dois upgrades para o Turbografx-CD. O primeiro, chamado no Japão de Super CD-ROM² System, foi lançado em 1991 em dois modelos, um acessório em separado, acompanhando um novo HuCard, ou apenas o novo HuCard, que podia ser usado normalmente por quem já tinha o CD-ROM² System - nos EUA, seria lançado apenas o novo Turbochip, com o nome de Super System Card. Apesar da aparência diferente, o Super CD-ROM² System era idêntico ao CD-ROM² System, com a única diferença sendo justamente o HuCard, que adicionava ainda mais RAM, permitindo rodar os jogos identificados como sendo de Super CD-ROM² (Super Turbografx-CD nos EUA) - que não rodavam caso identificassem que o HuCard inserido era o do CD-ROM², assim como os do CD-ROM² não rodavam sem HuCard nenhum. Desnecessário dizer, todos os jogos do CD-ROM²/Turbografx-CD rodavam normalmente com o HuCard/Turbochip novo.

Também em 1991, a NEC integraria o PC Engine ao Super CD-ROM² System e ao AV Booster, e lançaria um novo console chamado PC Engine Duo - lançado com o nome de TurboDuo nos EUA. Além de rodar todos os jogos em HuCard lançados até então, o PC Engine Duo ainda rodava todos os jogos em CD-ROM² e Super CD-ROM² sem a necessidade do HuCard próprio, já que sua RAM era bem maior - e o mesmo valia para o TurboDuo, que rodava todos os jogos em Turbochip, Turbografx-CD e Super Turbografx-CD. A NEC aproveitaria o lançamento do TurboDuo para fazer uma campanha de marketing agressiva nos EUA, na qual comparava os jogos em CD do Turbografx-16 com os do Sega-CD, ainda destacando o fato de que ambos custavam o mesmo preço, mas, enquanto o TurboDuo era um videogame totalmente novo, o Sega-CD era meramente um acessório, precisando de um Sega Genesis para funcionar. Apesar de serem consoles "novos", tanto o PC Engine Duo quanto o TurboDuo incorriam no mesmo erro de seus antecessores: só tinham uma entrada para controle cada.

Em 1994, seria lançado o segundo upgrade para o CD-ROM² System, chamado Arcade CD-ROM² System. Lançado exclusivamente no Japão, o Arcade CD-ROM² System era simplesmente um novo HuCard - não existia na forma de um acessório em separado - que permitia rodar jogos identificados com o selo Arcade CD-ROM². O Arcade CD-ROM² System era comercializado em dois modelos, o Arcade Card, para uso com o CD-ROM² System e com o Super CD-ROM² System, e o Arcade Card Pro, para uso com o PC Engine Duo - que, afinal de contas, tinha mais RAM. Apesar de jamais terem sido lançados oficialmente nos EUA, o Arcade Card podia ser usado com o Turbografx-16 e o Arcade Card Pro com o TurboDuo se acoplados a conversores fabricados por terceiros. Obviamente, todos os jogos para Arcade CD-ROM² também foram lançados exclusivamente no Japão.

Ao longo dos anos, a NEC também lançaria no Japão diversas variações do PC Engine, como o PC Engine Shuttle, lançado em novembro de 1989, que tinha formato de nave espacial e uma tampa transparente para proteger os HuCards quando encaixados, mas não tinha o encaixe para o CD-ROM² System; o PC Engine Core Grafx (de dezembro de 1989) e o PC Engine Core Grafx II (de junho de 1991), idênticos ao PC Engine original exceto pelo esquema de cores e por terem saídas AV ao invés de RF, para poderem ser conectados às TVs mais modernas; o PC Engine Duo R (de março de 1993), uma versão mais barata do PC Engine Duo; e o PC Engine Duo RX (de junho de 1994), idêntico ao Duo R, mas que vinha com um Arcade Pad ao invés de com um controle comum.

Três dessas variações merecem destaque. A primeira é o PC Engine LT, lançado em dezembro de 1991, que se parecia com um notebook, contando com uma tela de cristal líquido de 10 polegadas, o direcional e os botões do controle já integrados ao console - embora os seletores de turbo fosse sobre o direcional, enquanto o Select e o Run eram sobre o I e o II - e ainda contava com o encaixe para o CD-ROM² System, embora na lateral, e não na traseira. O PC Engine LT também tinha uma entrada de monitor, que permitia que ele fosse conectado a um PC e usado como tal; entradas de áudio e vídeo que permitiam que ele fosse conectado a um videocassete ou DVD Player e usado como TV, e até mesmo um acessório que possibilitava que ele sintonizasse canais de TV. Devido ao seu tamanho, ele não podia ser considerado um videogame portátil, mas se fechava como uma maleta, facilitando seu transporte, e operava tanto ligado na tomada quanto com uma bateria recarregável semelhante à de um notebook.

O verdadeiro portátil seria o PC Engine GT, de dezembro de 1990, a única variação lançada nos Estados Unidos, com o nome de TurboExpress. Do tamanho de um Game Boy, mas mais gordinho, ele tinha uma tela de cristal líquido colorida de 2,6 polegadas (também do mesmo tamanho da tela do Game Boy), e, por dentro, era quase idêntico ao Turbografx-16, com o mesmo processador principal e processador gráfico; como o encaixe dos HuCards/Turbochips também era o mesmo, isso significava que o TurboExpress podia rodar todos os jogos do Turbografx-16 - exceto os lançados em CD, já que o TurboExpress não tinha o encaixe do acessório, e, mesmo que tivesse, isso provavelmente faria com que ele deixasse de ser um portátil. A NEC lançaria o TurboExpress para concorrer com o Game Boy e o Game Gear, ambos de hardware inferior; alguns fatores, porém, fariam que ele não vendesse tão bem quanto seus concorrentes: para começar, sendo os jogos do TurboExpress os mesmos do Turbografx-16, lhes faltava o fator novidade, presente nos jogos de Game Boy e Game Gear, que normalmente eram versões dos jogos dos consoles da Nintendo e Sega, ou jogos totalmente novos desenvolvidos especialmente para eles. Além disso, a tecnologia do LCD colorido ainda era nova e sujeita a problemas: bastava não olhar a tela exatamente de frente para que muitas das cores parecessem alteradas; algumas caixas de texto eram praticamente impossíveis de se ler na tela de LCD, o que inviabilizava quase todos os jogos de RPG; e muitas telas apresentavam defeito de "pixels mortos", setores da tela que ficavam totalmente pretos sem motivo algum, jamais voltando a funcionar, mesmo que o TurboExpress tivesse acabado de sair da caixa. A duração da bateria também era uma reclamação dos jogadores, pois o TurboExpress consumia nada menos que seis pilhas AA a cada três horas, o dobro do Game Gear e três vezes mais que o Game Boy. Finalmente, muitos dos jogos de Turbografx-16 tinham a função de salvar para continuar depois; essa função gravava os dados do jogo não no HuCard, mas na memória interna do console, que o TurboExpress não tinha - ou seja, era impossível salvar esses jogos, e, como muitas vezes era impossível concluí-los do início ao fim de uma vez só, a NEC incluiria no TurboExpress uma função que substituía os saves por passwords, que desagradaria os jogadores, já que, além de imensas, muitas vezes não tinham como ser anotadas - se o jogador estivesse jogando no meio da rua sem papel e caneta, por exemplo.

Finalmente, temos o PC Engine SuperGrafx, lançado em dezembro de 1989. Originalmente previsto para ser o sucessor do PC Engine e concorrente do Super Famicom, usando um processador principal de 16 bits, devido a uma certa pressa da NEC para lançá-lo antes do concorrente, o SuperGrafx acabou sendo apenas uma versão turbinada do Turbografx-16, com o mesmo processador principal e apenas processadores gráficos diferentes - além de dois HuC6270A, uma versão melhorada do HuC6270 do Turbografx-16, o SuperGrafx ainda tinha um controlador de vídeo dedicado HuC6202 e um decodificador de vídeo 16 bits HuC6260 - o que possibilitava, dentre outras coisas, efeitos de paralaxe e até dois planos de fundo simultâneos, algo que era possível no Super Famicom e no Mega Drive, mas não no Turbografx-16, que, assim como o NES, só permitia um plano de fundo de cada vez. Além de maior potência em termos de gráficos, o SuperGrafx tinha quatro vezes mais RAM que o Turbografx-16 - o suficiente até mesmo para rodar jogos de Arcade CD-ROM² sem qualquer HuCard adicional - era compatível com todos os acessórios do TurboGrafx-16, e tinha compatibilidade reversa, ou seja, rodava todos os jogos do Turbografx-16 sem precisar de qualquer adaptador - até mesmo o encaixe dos HuCards era idêntico, o que fazia com que a única diferença entre um HuCard do PC Engine e um do SuperGrafx, além do nome SuperGrafx em sua etiqueta, fosse que a etiqueta dos HuCards de SuperGrafx era "de cabeça para baixo" em relação às dos HuCards do PC Engine, algo que a NEC faria de propósito para que os jogadores não os confundissem. Bizarramente, o SuperGrafx também só tinha uma entrada para controle, o que nos leva a crer que a NEC tinha alguma implicância com jogos para mais de um jogador.

O SuperGrafx acabaria sendo um tremendo fracasso de vendas, principalmente porque era muito mais caro que o PC Engine, e, na opinião dos jogadores, os gráficos melhores não valiam o investimento extra. No fim, apenas sete jogos seriam lançados para o SuperGrafx, sendo que dois deles também rodavam no PC Engine, mas com gráficos simplificados, e todos os sete em HuCards - a NEC até planejava lançar jogos em CD para poder explorar toda a capacidade gráfica do sistema, mas, diante das baixas vendas do console, acabaria desistindo. A NEC consideraria o SuperGrafx um fracasso tão grande que interromperia sua produção menos de um ano após seu lançamento no Japão, e suspenderia seu lançamento nos Estados Unidos.

Nos Estados Unidos, aliás, a história do Turbografx-16 seria bem diferente daquela do PC Engine em terras japonesas. Na época, ocorria um certo atraso entre o lançamento de um novo console no Japão e seu lançamento oficial no mercado norte-americano - ou seja, com unidades fabricadas nos Estados Unidos, e não simplesmente importadas. O próprio NES, por exemplo, só seria lançado mais de dois anos depois do Famicom, e o Super NES quase um ano depois do Super Famicom. Sabendo disso, a Sega, propositalmente, programaria o lançamento do Sega Genesis, a versão norte-americana do Mega Drive, para exatamente um dia antes do lançamento do Turbografx-16, em agosto de 1989. Como a Sega fez uma campanha agressiva nos Estados Unidos, comparando os jogos de Genesis aos do NES e apostando em um preço mais baixo que o dos rivais, e a NEC não era tão sólida na América quanto no Japão, o Turbografx-16 não conseguiu fazer frente a seus concorrentes, vendendo não somente menos que o Genesis desde o início, mas também menos que o Super NES após seu lançamento em 1991, o que foi uma grande lástima, primeiro porque o Turbografx-16 tinha jogos bastante interessantes, alguns deles sem equivalentes em outros consoles - ou com equivalentes de qualidade bastante inferior, como Bonk's Adventure, jogo da Hudson estrelado pelo mascote do Turbografx-16, o pequeno e cabeçudo homem das cavernas Bonk, escolhido pela NEC para competir com o Mario da Nintendo e o Sonic da Sega, mas que infelizmente jamais alcançou o patamar desses dois.

Devido ao baixo volume de vendas, a produção do TurboGrafx-16 cessaria totalmente nos Estados Unidos no final de 1993; no Japão, onde as vendas eram melhores, o PC Engine ainda seria produzido até 1999. Enquanto o PC Engine teve mais de 700 jogos lançados no Japão, apenas 94 deles seriam lançados para o Turbografx-16 nos Estados Unidos.
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segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Escrito por em 3.8.15 com 1 comentário

Intellivision

Quando eu era criança, meu pai comprava um monte de revistas por mês. Um monte mesmo, tipo umas dez ou doze. Não sei se o jornaleiro dava desconto ou se ele realmente gostava dessas revistas todas, mas a maioria delas se amontoava em uma pilha ao lado da cama dele, o que me levava a imaginar que ele não as lia com muita rapidez. Um dia, minha mãe passou um sermão nele, e ele parou com esse hábito. De umas dez ou doze, passou a comprar só umas duas ou três.

Na época das dez ou doze, uma das revistas que ele comprava se chamava Micro & Video. Nunca mais vi essa revista em lugar nenhum, e, se não tivesse guardado umas (que eu até procurei para esse post mas não achei, deve ter ficado lá na casa deles junto com algumas outras coisas minhas que eu não trouxe depois de casar por não ter espaço aqui para guardar), talvez hoje achasse que era alucinação e que ela nunca existiu. Porque, apesar de se chamar Micro & Video, ela falava, essencialmente, sobre jogos de videogame, trazendo fotos, dicas e resenhas dos principais lançamentos. Todo mês, depois que meu pai lia, ele me dava a revista, que eu adorava. Eu passava dias vendo as fotos dos jogos, sonhando que tinha os mais interessantes, e às vezes até enchia o saco para o meu pai comprar algum que chamasse muito a minha atenção. Coisas de criança.

A parte interessante dessa história é que, como era uma revista da época em que eu era criança, os jogos que ela trazia pertenciam aos videogames de quando eu era criança. Se você pensou Super Nintendo e Mega Drive, sinto muito, mas eu já era praticamente adolescente quando esses chegaram ao Brasil. Se você pensou NES e Master System, infelizmente eu sou ainda mais velho que isso. Os jogos da época em que eu era criança pertenciam a quatro videogames: Atari 2600, Odyssey, Colecovision e Intellivision.

Desses quatro, apenas dois eu via nas lojas, o Atari (que eu e quase todos os meus amigos tínhamos) e o Odyssey (que um único amigo meu tinha). O Colecovision e o Intellivision, portanto, eram praticamente artefatos místicos, já que, além de não conhecer ninguém que tivesse um, eu jamais havia visto um em lugar algum. Anos depois, eu conheceria uma pessoa que tinha um Colecovision, mas, quando o conheci, o videogame já não estava mais funcionando, ou seja, embora eu finalmente tivesse visto um de perto, jamais cheguei a jogá-lo. Um Intellivision, porém, eu jamais vi na minha frente até hoje, e confesso que tenho alguma curiosidade quanto ao fato de se ele chegou a ser fabricado e vendido no Brasil ou se quem quisesse um tinha que importar - o que, na época, não era nada fácil.

Enfim, por causa desse fato insólito, dos quatro, o Intellivision sempre foi o que me despertou a maior curiosidade. De lá pra cá, graças, principalmente, aos emuladores, eu já cheguei a jogar (acho que) todos os seus jogos, mas, mesmo assim, talvez por eu nunca ter colocado as mãos em um, o Intellivision ainda possui uma certa aura de mistério em minha mente. Até por isso, outro dia, quando falei sobre ele no post sobre Guerras Secretas, achei que falar sobre um videogame obscuro da minha infância daria um bom post. E é por isso que hoje é dia de Intellivision no átomo.

O Intellivision foi criado pela Mattel, uma das principais fabricantes de brinquedos dos Estados Unidos, responsável não somente pelas linhas Barbie e Hot Wheels, como também por sucessos dos anos 1980 como He-Man e Comandos em Ação. O desenvolvimento do console - cujo nome é uma junção das palavras intelligent e television - começaria em 1978, pouco menos de um ano após o lançamento do Atari 2600, do qual o Intellivision deveria ser o principal concorrente. As primeiras unidades seriam colocadas no mercado em 1979, mas apenas como teste, e somente em uma única cidade, Fresno, na Califórnia. Satisfeita com o teste, a Mattel colocaria o Intellivision à venda em todo o país em 1980.

Para se certificar de que o Intellivision colocaria o Atari para suar, a Mattel não pouparia esforços. Primeiro, ela criaria toda uma subsidiária, chamada Mattel Electronics, especialmente para o desenvolvimento do console e de seus jogos. Além disso, ela investiria pesado em uma campanha de marketing centrada em comparar os jogos do Intellivision com os do Atari. De fato, em termos de gráficos e som, o Intellivision era bastante superior, com efeitos sonoros mais realísticos que os blips e blups dos videogames da época, e efeitos de luz e sombra que deixavam alguns gráficos quase tridimensionais. Essas campanhas publicitárias se tornariam famosas na época, especialmente uma que dizia que os jogos do Intellivision eram the closest thing to the real thing (algo como "o mais próximo da realidade"), e uma que comparava um jogo de Intellivision com um de Atari trazendo as palavras I didn't know ("eu não sabia", como que para dizer que muitos não sabiam que o Intellivision era superior ao Atari).

A razão pela qual o Intellivision conseguiria ser tão superior ao Atari era que ele seria o primeiro videogame do mercado a usar um processador de 16 bits, o General Instrument CP1610. Além disso, ele tinha 1.456 bytes de memória RAM (enquanto o Atari tinha apenas 128), e seu processador de áudio, o General Instrument AY-3-8910, permitia três canais de som simultâneos. Como a Mattel não sabia fazer mágica, porém, isso significava que o Intellivision era mais caro que o Atari, por isso a necessidade de uma campanha agressiva de marketing para convencer os consumidores de que valia a pena pagar mais do que pelo concorrente.

Além dos gráficos e som de última geração, o Intellivision ainda tinha um controle considerado revolucionário, e bem diferente dos de seus concorrentes: ao invés de uma alavanca direcional e um ou dois botões, como era o normal, o controle do Intellivision, de formato retangular, apresentava, em sua parte superior, um mini-teclado com 12 teclas, sendo 10 numéricas (com os números de 0 a 9) e duas de função (clear e enter). Logo abaixo desse teclado, ficava o direcional, um círculo projetado para ser pressionado pelo polegar, e que possibilitava 16 direções diferentes, enquanto os videogames da época (incluindo o Atari) só permitiam oito. Completavam o controle não um ou dois, mas quatro botões, presentes nas laterais, dois de cada lado. Os dois botões de cima, porém, eram a mesma coisa (eletronicamente, eles transmitiam ao videogame o mesmo sinal, ou seja, ambos tinham a mesma função dentro do jogo), o que fazia com que, na prática, não fossem quatro botões, mas três.

Evidentemente, os jogos não faziam uso desses botões todos ao mesmo tempo, senão jogar seria meio impossível. Alguns jogos usavam só o direcional e os quatro botões, e alguns outros usavam só o teclado numérico, mas a maioria usava o direcional e os quatro botões para movimento e ações (atirar, pular etc.), e algumas teclas do teclado para funções, como se ele fosse um menu. Para que os jogadores não precisassem ficar decorando o que cada tecla fazia em cada jogo, o controle tinha uma abertura na parte de cima na qual era inserido um overlay, um cartão de papelão fino que vinha junto com o cartucho de um jogo que usasse o teclado para funções. Cada overlay trazia, no lugar que ficaria exatamente sobre uma tecla que fosse usada naquele jogo, um quadradinho com a indicação do que aquela tecla fazia - ou seja, se a tecla 1 abrisse um menu, no espaço sobre ela, no overlay haveria um quadradinho escrito "menu", essencialmente transformando a tecla 1 em uma tecla "menu", pois, já que o overlay era fino, pressionando-o o jogador estava pressionando, também, a tecla. Nos espaços correspondentes às teclas que não eram usadas, os overlays traziam uma arte do jogo em questão, o que fez com que muitos deles se tornassem itens de colecionador após o fim do videogame.

Também é interessante notar que, embora o "círculo direcional" tenha sido considerado uma inovação útil, muitos jogadores, mais acostumados com joysticks em forma de alavanca, achavam difícil controlar o jogo com ele, e alguns até chegaram a desenvolver dores no polegar, popularmente chamadas "dedão de Intellivision". A Mattel jamais lançaria qualquer controle ou acessório com alavanca, mas outros fabricantes se aproveitariam disso e lançariam uma alavanquinha que encaixava sobre o direcional - sendo que o jogador precisava abrir o controle, colocar a alavanquinha na posição e fechá-lo de novo para que ela funcionasse. Nenhum terceiro jamais chegou a criar um "controle alternativo" com alavanca por causa de um motivo pitoresco: diferentemente dos controles do Atari, os do Intellivision não podiam ser separados do videogame, sendo ligados por seus fios diretamente a seus circuitos internos, sem aquele encaixe que depois se tornaria padrão para controles de videogame. Em compensação, os controles do Intellivision tinham fios em espiral, tipo os de telefones antigos, que possibilitavam maior alcance, e um espaço próprio no console onde ficavam encaixados quando não estivessem sendo usados, para evitar que os fios ficassem pelo caminho.

O Intellivision também ficaria famoso por causa de um periférico, o Intellivoice, que encaixava na entrada dos cartuchos, mas tinha ele mesmo uma entrada para cartuchos em seu topo. Lançado em 1982, basicamente o Intellivoice era um sintetizador de voz, que adicionava vozes digitalizadas a alguns jogos lançados especialmente para ele. Ao todo, porém, apenas cinco jogos seriam lançados com essa funcionalidade, já que os cartuchos de Intellivision tinham enre 4 Kb e 8 Kb de memória, e adicionar vozes digitalizadas a eles com tão pouca memória disponível se mostraria bastante complicado.

Além de oferecer os jogos em cartuchos, o Intellivision seria o primeiro videogame da história a disponibilizar jogos para download. O sistema usado, porém, era bastante diferente do de hoje em dia: o jogador precisava ser assinante de alguma TV a cabo e ter um periférico chamado PlayCable, que era inserido no local do cartucho, e nele era ligado o cabo da TV. Caso a operadora da TV a cabo do jogador disponibilizasse o serviço, ele poderia pagar uma taxa e baixar o jogo via cabo, podendo jogá-lo tão logo o download fosse concluído. Como não havia forma de armazenar o jogo, nem no Intellivision, nem no PlayCable, assim que o console era desligado ele sumia, e devia ser baixado novamente (pagando novamente) caso o jogador desejasse jogá-lo de novo - por isso, não era bem uma compra, funcionando mais como um aluguel. Apesar de inovador, o sistema PlayCable não pegou, e acabou sendo oferecido apenas em poucas cidades dos Estados Unidos, sendo o principal motivo os custos que ele representava para as operadoras de TV a cabo.

Inicialmente, todos os jogos do Intellivision eram produzidos por uma única empresa, a APh Technological Consulting, que produziria os 35 primeiros jogos do sistema. Conforme as vendas cresciam, entretanto, a Mattel decidiria assumir para si a produção dos jogos, para que não precisasse dividir os lucros com mais ninguém. Ela montaria uma equipe de cinco programadores e desenvolvedores que já eram funcionários da própria Mattel, dois dele pertencentes à divisão que criava aqueles joguinhos conhecidos aqui no Brasil como minigames, que têm uma tela monocromática e alguns botões para controlar os elementos do jogo - normalmente algum clone do Tetris. Para evitar que a Atari tentasse contratá-los, suas identidades eram mantidas em sigilo pela Mattel, que, em público, só se referia a eles por um nome coletivo, Blue Sky Rangers.

Conforme o Intellivision se popularizava, porém, outras softhouses se mostravam interessadas em produzir jogos para o sistema; vendo uma oportunidade de tentar reduzir as vendas do Atari, a Mattel permitiria que duas das principais firmas que produziam jogos de Atari, a Activision e a Imagic, produzissem, também, jogos de Intellivision. Até a Coleco, fabricante do outro rival do Intellivision, o Colecovision, se mostraria interessada em produzir jogos de Intellivision, o que levaria Mattel e Coleco a firmar um acordo, segundo o qual a Coleco produziria jogos de Intellivision, e a Mattel produziria jogos de Colecovision sob o nome de M Network. Com o passar do tempo, os jogos do Intellivision se tornariam tão populares que a M Network conseguiria até mesmo uma licença para produzir jogos de Atari.

Além do interesse de outras produtoras de jogos, com a popularidade do Intellivision vieram os clones - videogames de hardware idêntico ao Intellivision e capazes de rodar todos os seus jogos, algo muito comum de acontecer com os videogames da época, já que todas as suas peças podiam ser compradas por qualquer um em lojas especializadas, sem nenhuma delas ser fabricada especialmente pelo criador do videogame, como acontece hoje em dia. Para tentar minimizar as perdas nas vendas, a Mattel adotaria uma política de licenciamento, essencialmente autorizando uma outra empresa a fabricar um Intellivision, desde que ela compartilhasse uma pequenina parcela dos lucros com a Mattel. Dois dos principais clones do Intellivision eram licenciados, o TandyVision da Radio Shack e o IntelVision da GTE-Sylvania, mas o mais vendido, o Super Video Arcade, da Sears, não era. Esse último acabaria sendo duplamente danoso à Mattel, pois, além de ela não ver um único centavo pelas vendas do Super Video Arcade (e a Sears é uma das maiores revendedoras de aparelhos eletrônicos dos Estados Unidos), a Sears ainda criava novas embalagens para os cartuchos, o que fazia com que muitos consumidores achassem que o Super Video Arcade e o Intellivision eram dois videogames diferentes - ou seja, além de não comprarem o console da Mattel, também não compravam seus jogos. Para completar a ofensa, os controles do Super Video Arcade tinham encaixe e podiam ser desconectados, o que fazia com muita gente preferisse o modelo da Sears por causa dessa característica. A Mattel chegou a tentar impedir na justiça a produção do Super Video Arcade, mas, como os componentes não eram de sua propriedade, só conseguiu fazer com que a Sears não pudesse fabricar clones dos jogos criados pela própria Mattel.

Mesmo com esses percalços, o Intellivision se tornaria um videogame imensamente popular: em seu primeiro ano, venderia por volta de 175.000 unidades, e, em 1982, venderia mais de dois milhões. No fim de 1982, o lucro da Mattel com a venda de consoles e jogos ultrapassaria um milhão de dólares.

Mas, um ano antes, em 1981, a Mattel começaria a meter os pés pelas mãos. Mantendo suas grandes ambições, ela anunciaria para aquele ano um periférico para o Intellivision chamado Keyboard Component. Antes mesmo de o periférico estar pronto, ela já começaria a campanha promocional, com anúncios em revistas e na TV mostrando-o como uma espécie de caixa com uma abertura no topo, onde o Intellivision se encaixaria.

Segundo esses mesmos anúncios, o Keyboard Component transformaria uma TV conectada a um Intellivision em um computador doméstico, plenamente funcional - sendo que, em 1981, computadores domésticos, embora despertassem o interesse de muitas pessoas, ainda eram caríssimos e bastante limitados. Segundo a Mattel, o Keyboard Component traria um processador só dele, aumentaria a memória do Intellivision para 64 Kb - um absurdo para a época - e ainda contaria, além do teclado que lhe dava nome, com um drive de fita cassete e com uma impressora de 40 colunas. Ele se encaixaria na entrada de cartuchos do Intellivision, mas teria sua própria entrada de cartuchos, permitindo que o usuário continuasse usando o Intellivision apenas para jogar sem ter de desconectar o Keyboard Component, e possibilitando que a Mattel criasse jogos ainda mais poderosos, que precisariam do Keyboard Component para serem jogados. De acordo com a projeção inicial, um Intellivision com um Keyboard Component sairia bem mais barato que um computador doméstico da época, o que, segundo a Mattel, faria com que o primeiro computador de muita gente fosse um Intellivision.

Essa projeção inicial, contudo, se mostraria errada. Quando as primeiras unidades fossem fabricadas, ficaria claro que elas teriam um custo muito elevado de produção, o que acabaria fazendo com que, na verdade, um Intellivision com um Keyboard Component saísse mais caro que um computador doméstico. Além disso, os primeiros testes mostrariam que o Keyboard Component não era confiável, apresentando muitos travamentos e realizando algumas de suas funções de forma completamente diferente do que os técnicos da Mattel pretendiam. Com isso, o Keyboard Component acabaria adiado inúmeras vezes, e o ano de 1981 chegaria ao fim sem que ele fosse lançado.

Infelizmente para a Mattel, algumas pessoas haviam comprado um Intellivision apenas por causa da promessa de que ele se tornaria um computador, e, quando viram que essa promessa não se cumpriria tão cedo, decidiram registrar reclamações junto à Federal Trade Commission (FTC), o Procon dos Estados Unidos. A FTC indiciaria a Mattel por fraude e propaganda enganosa, e a condenaria a pagar uma multa de dez mil dólares por dia até que o Keyboard Component fosse colocado no mercado. Para tentar se livrar dessa multa, a Mattel chegaria a lançar algumas unidades do Keyboard Component, do jeito que estava, na Califórnia, em regime de teste, como fez com o Intellivision, mas a FTC não aceitou, alegando que, para se livrar da multa, ela teria de lançar o periférico - concluído, funcional, e fazendo tudo o que prometia - em todo o país.

Evidentemente, a Mattel não seria capaz de fazer isso tão cedo, e decidiria bolar um plano B: batizado como Entertainment Computer System (ECS), o novo projeto era bastante semelhante ao Keyboard Component, mas não tinha processador próprio, adicionava apenas 2 Kb à RAM do Intellivision, e trazia um drive de fita cassete e uma impressora térmica muito mais simples e baratos, além de um sistema operacional em BASIC extremamente simplificado e capaz de muito menos coisas do que a Mattel pretendia com o Keyboard Component - essencialmente, a única coisa que permaneceu inalterada foi o teclado. Para que o projeto não ficasse muito pobre, a Mattel incluiria um segundo processador de som e uma entrada para um teclado de música (aquele parecido com o de um piano), o que possibilitaria que o periférico também fosse usado para compor e aprender música.

Ao apresentar o ECS à FTC, a Mattel alegaria que, mesmo não sendo o mesmo produto, ele cumpria sua promessa de transformar o Intellivision em um computador. O argumento colou, e, assim que o ECS foi colocado no mercado, em 1983, a FTC suspendeu a multa diária, com a condição de que a Mattel fizesse um recall dos Keyboard Components que haviam sido colocados no mercado como "teste", devendo devolver o valor pago integral para quem os comprou, ou trocá-los por um ECS e devolver a diferença, de acordo com a preferência do consumidor. Alguns consumidores, curiosamente, não quiseram devolver o Keyboard Component, e tiveram de assinar um termo abrindo mão de responsabilizar a Mattel por qualquer problema no funcionamento, e concordando estar ciente de que o produto jamais teria nenhum software lançado para ele nem qualquer direito a assistência técnica.

No geral, o episódio faria com que a cúpula da Mattel passasse a ver periféricos para o Intellivision com maus olhos, determinando que a empresa focasse apenas em jogos. Isso acabaria prejudicando o desenvolvimento do próprio ECS, já que um novo periférico chamado Program Expander, que aumentaria a RAM para 16 Kb e incluiria um sistema operacional em BASIC completo, acabaria cancelado. No fim, apenas seis softwares seriam lançados para o ECS, sendo três jogos, incluindo um que fazia uso do Intellivoice.

Para tentar recuperar parte do dinheiro perdido com a confusão do Keyboard Component, em 1982 a Mattel lançaria uma nova versão do Intellivision, chamada Intellivision II. Essa nova versão foi planejada para ter a fabricação mais barata possível - o que reduziria também seu preço de mercado - tendo desenho mais compacto e sendo feita integralmente de plástico - o Intellivision original tinha detalhes em madeira. Também para reduzir custos, os controles, que antes tinham teclas no estilo bubble (uma espécie de alto-relevo no qual cada tecla se parece com metade de uma bolha, daí o nome) passariam a ter um teclado de membrana, aquele na qual aparentemente não há teclas, apenas uma superfície lisa com quadradinhos indicando onde cada tecla está. Isso não alterou em nada o funcionamento dos overlays, mas alguns jogos nos quais o jogador não podia tirar os olhos da tela enquanto pressionava as teclas se tornaram muito mais difíceis, já que é impossível sentir onde está cada tecla em um teclado de membrana.

Outra mudança que afetaria os jogos seria uma alteração na ROM do videogame, visando impedir que o Intellivision II rodasse jogos fabricados por firmas que não tinham autorização da Mattel para produzi-los (em outras palavras, piratas). Um efeito colateral dessa mudança foi que alguns jogos passaram a ter efeitos sonoros levemente diferentes dos que tinham quando jogados no Intellivision original, pelo menos um deles não rodava de jeito nenhum, e um apresentou glitches nos gráficos. A pior parte foi que essa mudança não adiantou nada, já que, em pouco tempo, os piratas descobriram como contorná-la.

Uma mudança bem-vinda foi que, finalmente, os controles passaram a ser destacáveis, o que permitia ao jogador trocar um deles caso desse defeito (com o Intellivision original, era preciso mandar todo o aparelho para o conserto) e até mesmo o uso de controles diferentes de outros fabricantes. Em compensação, o Intellivision II, ao contrário de seu antecessor, não tinha fonte interna, usando um adaptador AC externo. O problema era que esse adaptador era fabricado exclusivamente para o Intellivision II, sem qualquer similar à venda no mercado, ou seja, se desse defeito, não podia ser substituído por outro. Como ele também não era vendido separadamente, e o Intellivision II teve vida curta, hoje não se sabe qual seria o procedimento em caso de defeito.

Para completar, o Intellivision II tinha um periférico curiosíssimo chamado System Changer. Encaixado no local dos cartuchos, o System Changer permitia que o Intellivision II rodasse qualquer jogo... de Atari 2600, através de uma abertura para cartuchos de Atari 2600 em seu topo. A Atari pensou em processar a Mattel, mas as vendas do System Changer foram tão baixas que ela desistiu.

Pouco menos de um ano após o lançamento do Intellivision II, ocorreria o famoso crash do mercado de videogames norte-americano de 1983, que causou prejuízos astronômicos a todos os fabricantes de videogames da época - somente a Mattel perderia 300 milhões de dólares, mais do que tinha lucrado em todo o tempo no qual o Intellivision esteve à venda. Diante disso, em 1984 ela decidiria fechar a Mattel Electronics, descontinuar o Intellivision, e passar um longo tempo sem investir em videogames. Uma nova versão do Intellivision, provisoriamente chamada de Intellivision III, mas mais poderosa, projetada para competir com o Atari 5200, jamais sairia do papel.

Após o fechamento da Mattel Electronics, o executivo Terry Valeski compraria os direitos sobre o nome e todo o catálogo de jogos do Intellivision. Ele fundaria uma empresa chamada INTV Corp, e lançaria uma nova versão do videogame, inicialmente chamada INTV System III, mas depois rebatizada como Super Pro System. Com design bem parecido com o do Intellivision original, o Super Pro System teve boas vendas, e chegou até a ganhar alguns jogos novos, produzidos pela própria INTV, sendo descontinuado apenas em 1991.

Atualmente, os direitos do nome e do acervo de jogos pertencem a Keith Robinson, que, em 2003, os comprou de Valeski e fundou a companhia Intellivision Productions. Robinson lançou coletâneas de jogos de Intellivision para PC, Playstation 3, Xbox e GameCube, colocou alguns deles na loja online do Xbox 360, e, atualmente, os está relançando na forma de aplicativos para iOS.
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segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Escrito por em 26.9.11 com 0 comentários

Game Boy

Como eu já citei aqui, na guerra dos videogames, eu sempre fiz parte do exército da Nintendo. Tirando meu primeiríssimo Atari, e um Playstation que eu comprei porque o Nintendo 64 não tinha Megaman 8, todos os outros videogames que eu já tive foram da Nintendo. Diante disso, é impossível eu ser imparcial quando entro em qualquer discussão do tipo "qual console é/foi/será melhor". Podem até argumentar, por exemplo, que ele não roda o novo Mortal Kombat ou Marvel vs Capcom 3; para mim, o Wii é melhor que qualquer PS3 ou Xbox 360.

É claro que, nesse caso, especificamente, eu não seria tão dracônico. Prefiro o Wii, mas reconheço as virtudes de seus oponentes, nem que seja apenas porque eles rodam esses dois jogos que eu acabei de citar. Em outros casos, entretanto, não adianta querer me convencer: dizer que o Master System era melhor do que o NES, ou que o Game Gear era melhor que o Game Boy, é demais para a minha cabeça. Foi justamente essa discussão que eu tive com uma colega do trabalho essa semana. Fã da Sega, ela quis me convencer de todas as formas que o Game Gear era melhor, e ainda usou o argumento mais furado do mundo numa discussão dessas: o de que o Game Boy era em preto e branco.

Após tentar convencê-la de que Megaman e Castlevania em preto e branco são melhores do que qualquer jogo do Game Gear colorido, acabei chegando à conclusão de que gosto não se discute e que é melhor deixar pra lá. Mas, por alguma razão, acabei ficando com vontade de falar sobre o Game Boy aqui no átomo. Afinal, ele sempre foi um dos meus videogames preferidos, e eu não falo sobre um videogame aqui há um tempão. Hoje, portanto, será dia de Game Boy, o portátil original da Nintendo, no átomo.

A história da Nintendo com videogames portáteis é bem mais antiga que o próprio Game Boy. Antes mesmo de criar o Famicom, nome japonês do NES, seu primeiro console, a Nintendo já fabricava e vendia uma linha de jogos chamada Game & Watch. A ideia para esta linha partiu de Gunpei Yokoi, executivo da Nintendo que, durante uma viagem de trem em 1979, viu um homem entediado brincando com sua calculadora, apertando vários dos botões aparentemente sem ordem lógica, apenas para passar o tempo. Yokoi então imaginou como seria legal uma espécie de videogame portátil, que as pessoas pudessem levar em seus bolsos e usar para matar o tempo durante viagens ou em salas de espera.

Talvez para tornar sua invenção mais útil, Yokoi acrescentou um relógio - daí o nome Game & Watch - que podia ser consultado mesmo quando o jogo estivesse desligado. Devido a limitações tecnológicas da época, cada Game & Watch só possuía um jogo na memória - mais ou menos como uma máquina de arcade - e esse jogo era em preto e branco, já que o hardware utilizado era quase idêntico ao das calculadoras da época. O primeiro Game & Watch da história, Ball, seria lançado em 28 de abril de 1980, com uma mecânica bem simples: o personagem do jogador tinha de lançar três bolas para cima e então pegá-las novamente antes que elas tocassem o chão. Ball foi um grande sucesso, e depois dele seriam lançados mais 58 jogos, com gráficos cada vez mais avançados e jogabilidade cada vez mais complexa. Alguns traziam detalhes coloridos no cenário, outros apresentavam duas telas, como no Nintendo DS. Haviam os que traziam personagens licenciados, como Mickey e Snoopy, e os que eram versões de clássicos da Nintendo dos arcades, como Donkey Kong e Mario Bros. O sucesso dos Game & Watch garantiu sua produção até 1991, bem depois da popularização dos videogames, e também fez com que o sistema fosse copiado pelos concorrentes, como na série Tiger Games da Tiger Electronics.

Após o lançamento e o sucesso do Famicom, Yokoi teve uma nova ideia: lançar uma nova versão do Game & Watch, mas que, dessa vez, pudesse rodar vários jogos, bastando trocar o cartucho como ocorria com o console. Não era uma ideia totalmente nova: em 1979, antes mesmo do Game & Watch, a fabricante de brinquedos norte-americana Milton Bradley já havia lançado o Microvision, que era, justamente, um videogame portátil com sua própria tela. O Microvision, porém, era muito grande, consumia muitas pilhas, e não tinha jogos lá muito divertidos. Yokoi desejava que seu portátil reproduzisse o sucesso do Game & Watch, e para isso precisava fazê-lo o mais portátil possível.

Trabalhando em conjunto com a mesma equipe que havia trabalhado no Game & Watch e com a equipe responsável por vários jogos de sucesso do NES, Yokoi chegaria ao sistema que ele batizaria de Game Boy. Seu lançamento oficial no Japão seria em 21 de abril de 1989, chegando à América quatro meses depois com grande estardalhaço: o primeiro lote, de um milhão de unidades, seria totalmente vendido em apenas três semanas.

O Game Boy original media 14,8 cm de altura por 9 cm de largura e 3,2 cm de profundidade. Para tornar os jogos simples, possíveis de caber em cartuchos menores, a Nintendo optou por fazê-los, assim como os do Game & Watch, em preto e branco. O Game Boy era, entretanto, bem mais avançado que seu antecessor, sendo capaz de mostrar gráficos em quatro tons diferentes de cinza em sua tela de cristal líquido de 2,6 polegadas, com resolução de 160 por 144 pixels. Seu processador era um Z80 Sharp LR35902 customizado pela Nintendo. O Game Boy funcionava com quatro pilhas AA que duravam entre dez e doze horas, mas tinha saídas que permitiam ligá-lo a uma bateria recarregável ou a uma fonte DC externa. Outras saídas permitiam conectá-lo a fones de ouvido ou a outro Game Boy, para jogos de dois jogadores. O esquema de controle era o mesmo do NES, com um direcional e dois botões, A e B, mais o select e o start.

Apesar de seus gráficos em preto e branco - frequentemente zoados pela concorrência em suas propagandas - o Game Boy seria um imenso sucesso, e venceria seus dois principais competidores diretos, o Atari Lynx, lançado em setembro de 1989, e o Game Gear, da Sega, de outubro de 1990, ambos com gráficos coloridos. Há quem atribua a vitória do Game Boy ao fato de que ambos seus concorrentes, além de serem mais caros, usavam seis pilhas, que só duravam entre quatro e seis horas. O maior trunfo do Game Boy, entretanto, estava em seus jogos: todas as principais linhas do NES, como Mario, Megaman, Metroid e Castlevania, ganhariam jogos para o portátil, que também contaria, evidentemente, com jogos exclusivos de qualidade, sendo talvez Pokémon o maior exemplo.

O Game Boy manteria seu design e especificações inalterados até 1995, quando seria lançada a série Play it Loud. Originalmente disponível apenas na cor cinza, o portátil agora podia ser também encontrado nas cores vermelha, azul, amarela, verde, preta, branca e transparente, que possibilitava ver suas placas de circuito. A primeira mudança não-cosmética viria no ano seguinte, com o lançamento do Game Boy Pocket, uma versão 30% menor e mais leve que o Game Boy original, e que funcionava com apenas duas pilhas AAA, que duravam por volta de dez horas. O Game Boy Pocket estava disponível nas cores cinza, vermelha, azul, amarela, verde, preta, branca, transparente, roxa e rosa. Em 1998, seria lançada uma terceira versão do Game Boy, dessa vez exclusivamente no Japão, o Game Boy Light, cuja maior diferença era ter uma luz por detrás da tela que permitia que seus jogos fossem jogados em ambientes sem iluminação própria ("no escuro"). O Game Boy Light estava disponível nas cores cinza prateado e amarelo dourado, e suas duas pilhas AAA duravam por volta de 20 horas sem a luz ligada, ou 12 com a luz em uso.

Falando em luz, o Game Boy tinha uma série de acessórios lançados separadamente, como uma lâmpada que podia ser encaixada na parte superior do portátil para iluminar a tela, ou os já citados bateria recarregável que substituía as pilhas e cabo para ligar dois Game Boys e jogar junto - o famoso Cabo Link. Outros acessórios incluíam a Game Boy Camera, uma webcam rudimentar com a qual o jogador podia tirar fotos de si mesmo para colocar nos jogos; a Game Boy Printer, uma impressora cuja principal função era imprimir essas fotos; e o Mobile Adaptor, que permitia que o Game Boy se conectasse à rede de celulares japonesa para se comunicar com outros Game Boys, permitindo jogos entre vários jogadores de várias partes do país simultaneamente. Mas os dois acessórios mais interessantes eram o Transfer Pak, que permitia transmitir dados do Game Boy para o Nintendo 64, e o Super Game Boy. Lançado em 1994, o Super Game Boy não era exatamente um acessório para o Game Boy, mas uma espécie de cartucho de Super Nintendo que permitia que os jogos do Game Boy fossem jogados no SNES, usando a tela da televisão e o controle do console. Para "encaixar" o tamanho da tela do Game Boy na tela da TV, o Super Game Boy vinha com bordas próprias, que podiam ser selecionadas uma para cada jogo. Jogos lançados após o lançamento do acessório - como Megaman V - vinham com suas próprias bordas, e ainda se tornavam "coloridos" - na verdade, cada fase apresentava vários tons de uma mesma cor, assim como o Game Boy apresentava vários tons de cinza - ao serem jogados no Super Game Boy. Um acessório parecido, o Game Boy Player, seria lançado em 2003, e permitiria que jogos de Game Boy fossem jogados no GameCube.

Em 1998, o Game Boy finalmente passaria a ter um display colorido, capaz de exibir 32 mil cores, 56 delas simultaneamente, sendo renomeado para Game Boy Color. O lançamento do Game Boy Color se deu mais por pressão dos desenvolvedores de jogos, que consideravam a plataforma do Game Boy obsoleta e pediam por um portátil mais moderno, do que por vontade da Nintendo, que ainda creditava ser possível desenvolver jogos de qualidade para seu Game Boy original. O resultado é que o Game Boy Color é até bastante parecido com o Game Boy, usando, inclusive, o mesmo processador, mas com mais modificações, que o tornariam, por exemplo, mais rápido. Graças à tecnologia mais avançada, o Game Boy Color também consumia menos energia, garantindo por volta de 30 horas de jogo com apenas duas pilhas AAA. O Game Boy Color estava disponível nas cores cereja (chamada, oficialmente, de Berry), roxo (Grape), verde claro (Kiwi), amarelo (Dandelion), ciano (Teal) e lilás transparente (Atomic Purple).

Para a Nintendo, o Game Boy Color não é um novo portátil, mas uma nova versão do Game Boy, assim como o Game Boy Pocket e o Game Boy Light. Graças a essa posição, o Game Boy Color seria o primeiro videogame da história com compatibilidade reversa, sendo capaz de rodar qualquer jogo de seu antecessor, e ainda deixando-os "coloridos" como fazia o Super Game Boy. A maioria dos jogos do Game Boy Color também funcionava normalmente no Game Boy, sendo exibidos, entretanto e evidentemente, em preto e branco, mas alguns, desenvolvidos especificamente para o novo portátil, não rodavam no Game Boy tradicional, exibindo uma mensagem de que deveriam ser utilizados exclusivamente no Game Boy Color. Como efeito colateral, esses jogos também não funcionavam no Super Game Boy.

O reinado do Game Boy duraria até 2003, quando o Game Boy Color deixaria de ser fabricado. Em 2001, entretanto, a família ganharia um novo membro, o Game Boy Advance. Esse sim seria um novo portátil, totalmente diferente de seus antecessores, mas, talvez para manter a mística, com a Nintendo decidindo dar a ele o mesmo nome. O que até fazia um certo sentido, já que o Game Boy Advance era totalmente compatível com todos os jogos do Game Boy e do Game Boy Color.

Enquanto o Game Boy e o Game Boy Color possuíam um processador de 8 bits, o Game Boy Advance vinha equipado com um processador de 32 bits, o ARM7-TDMI. Com design "deitado", e não "de pé" como os anteriores, o portátil tinha 14,45 cm de largura, 8,2 cm de altura e 2,45 cm de profundidade. Sua tela widescreen de 2,9 polegadas podia exibir 32 mil cores, sendo 512 simultâneas. Alimentado por duas pilhas AA, o Game Boy Advance garantia por volta de 15 horas de seus próprios jogos ou 30 horas de jogos do Game Boy ou Game Boy Color. Seu controle, além do direcional, dos botões A, B, select e start, também contava com os botões L e R, na parte superior do portátil, mais ou menos na mesma posição que em um controle de Super Nintendo. O Game Boy advance contaca com saídas para alimentação externa, bateria recarregável, cabo link, e para um cabo especial que encaixava na entrada dos controles do GameCube, permitindo que ambos os consoles interagissem em alguns jogos. Inicialmente, o Game Boy Color estava disponível nas cores gelo, preta, laranja, fúcsia, índigo e lilás transparente com detalhes em azul; mais tarde, seriam lançadas também as cores vermelha, prateada, dourada, branca, rosa e laranja transparente com detalhes em preto.

Assim como o Game Boy original, o Game Boy Advance também ganhou vários acessórios. Além do cabo para ligá-lo ao GameCube e de seu próprio Mobile Adaptor, esses acessórios incluíam o Wireless Adapter e o Infrared Adapter, dispositivos que possibilitavam que dois Game Boys Advance se conectassem sem a necessidade do cabo link - com a desvantagem de que nem todos os jogos eram compatíveis com eles, e um não conseguia se comunicar com o outro; o Play-Yan, que transformava o Game Boy Advance em um Mp4-Player, com direito a entrada para cartão SD; e o e-Reader, um curioso leitor de cartões que podiam ser "deslizados" nele como um cartão de crédito. Estes cartões, que incluíam cards promocionais e cards do card game do Pokémon, desbloqueavam conteúdo secreto nos jogos aos quais estivesem relacionados, ou permitiam que o jogador jogasse jogos clássicos como Donkey Kong e Excitebike sem a necessidade de comprar um cartucho. Além destes acessórios "oficiais", vários outros, que não eram fabricados pela Nintendo, também foram lançados, como um que permitia jogar jogos de NES no Game Boy Advance.

em cima: Game Boy, Game Boy Pocket, Game Boy Advance. embaixo: Game Boy Color, Game Boy Advance SP, Game Boy Micro


Em 2003, o Game Boy Advance ganharia uma nova versão. Batizado como Game Boy Advance SP, ele se parecia com um mini-notebook, podendo ser aberto e fechado, com a tela na metade de cima e os controles na metade de baixo quando aberto. Fechado, o Game Boy Adavnce SP media 8,2 cm de altura, 8,4 cm de largura e 2,44 cm de profundidade. O Game Boy Advance SP estava originalmente disponível nas cores vermelho, rosa, azul claro, verde esmeralda, cobalto, platina, ônix e grafite.

Um dos principais motivos para o lançamento do Game Boy Advance SP foram as críticas que a Nintendo recebeu de que o Game Boy Advance não era muito anatômico, e de que sua tela seria muito escura. O formato de mini-notebook, mais tarde adotado também para o DS, foi resultado de um estudo encomendado pela Nintendo sobre qual forma seria mais anatômica para um portátil. A tela do Game Boy Advance SP, além de ser mais iluminada que de seu antecessor, também possuía uma luz frontal que podia ser ligada e desligada. Mas a maior inovação dessa nova versão foi a substituição das pilhas por uma bateria de lítio recarregável, que durava 10 horas com a luz ligada ou 18 com ela desligada, e podia ser totalmente recarregada em apenas três horas.

O Game Boy Advance SP ainda ganharia uma nova versão em 2005, apelidada de Game Boy Advance SP2. Sua única diferença em relação ao original era que a luz frontal seria substituída por um botão que alternava entre a iluminação normal da tela do SP e uma iluminação ainda mais potente, equivalente à de uma televisão LCD.

2005 também seria o ano do lançamento do último membro da família Game Boy, o Game Boy Micro. Pouco mais que um controle de NES com uma tela no meio, o Game Boy Micro media 5 cm de altura, 10,1 cm de largura e apenas 1,72 cm de profundidade. Para ficar tão pequeno, ele teve de adquirir duas desvantagens: primeiro, sua tela tinha apenas duas polegadas; segundo, ele não era capaz de rodar jogos do Game Boy ou do Game Boy Color, apenas do Game Boy Advance - isso porque o Game Boy Advance e o Game Boy Advance SP tinham um coprocessador de 8 bits, responsável por rodar os jogos do Game Boy e do Game Boy Color, e esse coprocessador seria removido do Game Boy Micro para economizar espaço. O Game Boy Micro contava com vários níveis de iluminação em sua tela, vinha com a bateria recarregável, que podia durar entre cinco e oito horas dependendo da luminosidade, e estava disponível nas cores preta, prata, azul escuro, azul claro, rosa, verde, vermelha e roxa.

Pouco antes do lançamento do Game Boy Micro, a Nintendo lançaria seu novo console, o Nintendo DS. Oficialmente, entretanto, a família Game Boy jamais seria descontinuada: em uma recente entrevista, um dos executivos da Nintendo declararia que eles apenas estão focados demais no DS e no Wii para preparar novidades para o Game Boy, mas que a empresa não tem planos para encerrar uma série de tanto sucesso.

De fato, somados todos os seus integrantes, a família Game Boy já vendeu mais de dois milhões de unidades em todo o mundo. Mas, se ainda compensaria lançar um novo Game Boy nos dias de hoje apenas para aproveitar o nome, é algo que somente o tempo poderá dizer.
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